terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Criticando Cinema: Arquivo X - 10ª Temporada

  Arquivo X foi a série que abriu o caminho, em 24 episódios por temporada, a uma sub-trama muito maior do que as historinhas dos episódios semanais. A fama veio também com o teor mais sério de conspirações governamentais, supostas histórias verídicas de OVNIs e, claro, a visita de extraterrestres.


  O que no começo foi uma inovação, mesmo com os efeitos especiais ligeiramente toscos, trouxe uma leva de milhares de fãs que se estenderam ao longo de dez anos de série, dois longas metragens até desgastar por completo a série. Mas mesmo com o fim da série e o descaso com o tema conspiratório e de alienígenas pelo público, duas frases ainda batem no subconsciente de todos: A verdade está lá fora., e, Eu quero acreditar!


  Pronto! Foi o suficiente para Chris Carter trazer de volta Arquivo X em sua décima temporada após 14 anos de intervalo. Os icônicos personagens Fox Mulder ( David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) estão de volta em uma curta temporada de seis episódios.  Mas será mesmo necessária a volta desta série ao século XXI? A resposta é COM CERTEZA!

  Sem dar muitos spoilers, no primeiro episódio Mulder  e Scully voltam mais maduros e certos de que o que viram ao longo de seus dez anos de carreira pelo FBI apenas foi a ponta de um iceberg, logo preferem seguir caminhos opostos. Enquanto Scully virou médica cirurgiã no hospital Our Lady of Sorrows, Mulder ficou paranoico e desempregado por nunca encontrar a verdade que tanto buscou. A volta da dupla ocorre com um chamado de seu antigo chefe, Skinner (Mitch Pileggi), que faz questão de que os dois ex-agentes conheçam um Tad O’ Malley (Joel McHale), um jornalista político que garante trazer a chave para desvendar todo o enigma que o Arquivo X vem procurado esse tempo.

  O melhor da volta dessa série vem com a atualização da tecnologia. Primeiramente, com o investimento grande que se tem hoje em dia com séries de televisão, os efeitos especiais de Arquivo X tornaram-se ótimos, mas o grande trunfo está também na atualização e evolução dos personagens. É ótimo ver todos mais envelhecidos e falando sobre youtube, utilizando smartphones com bloqueio digital, energia limpa,  comentando sobre multinacionais que dominam o mundo, drones e, por quê não, até abordado a liberdade de escolhas sexuais em pleno ano de 2016.



  O tempo passou fisicamente, mas é fácil comprar um Dana Scully e um Fox Mulder envelhecidos e traumatizados, mas memso assim querendo saber como uma grande conspiração está envolvida com ataques terroristas, armazenamento de dados e a como uma rede de internet conecta tudo e todos. A melhor hora para a série voltar é agora!

  Com apenas seis episódios, Arquivo X pode aprofundar no tema que estabeleceu neste primeiro episódio sem se preocupar com "fillers". Só basta saber se o público quer voltar a ver ficção científica de qualidade na televisão. Apenas torço por isso, pois ainda quero acreditar na verdade que está lá fora!



  Arquivo X é transmitido na Fox às segunda-feira, às 23h59. Reprises dubladas serão exibidas toda terça, às 22h30.


André Bludeni

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Epílogo do Samurai

     Ele respirou fundo ao se sentar de pernas cruzadas. A dor na costela direita lhe incomodava demais. A cada respirada, tinha a sensação de que a pele estava sendo cortada mais uma vez. Pousou a mão no ferimento e a banhou no próprio sangue que escorria com abundância. Os dedos saíram do kimono rasgado em um tom de vermelho brilhante.

  Concentrou-se e olhou para os lados. Precisava entrar em calma e concentração. O vento assoprava pelos bambuzais tocando uma linda melodia de assobios. Já estavam entrando no começo da primavera e logo menos sabia que sua amada esposa iria ficar admirando as sakuras brotarem lindas flores. Era o hobby preferido de sua amada enquanto preparava nikuman para o jantar. Infelizmente não haveria mais esposa entre as cerejas enquanto saboreava os deliciosos pães com recheio de carne de porco. Não mais.

  A dor era latente. A katana estava pousada ao seu lado enquanto o sol começava a se pôr e os bambuzais a assobiar mais. O frio fazia sua feria arder ritmicamente. Enquanto preparava o seu chá de despedida lembrava-se de seu pai e quando esse o ensinou a fazer a bebida do adeus.

  O velho samurai foi sua inspiração para todos os desafios da vida. Era o grande herói do vilarejo, até ele mesmo tomar o posto do pai de ícone. Começou seu treinamento bem cedo, aos cinco anos de idade, e sempre fora considerado o melhor aprendiz da arte marcial de todo o local.

  Em serviço de seu Senhor Feudal, eliminou vários inimigos e adversários em nome da Honra, Respeito, Humildade, Compaixão e Coragem. Lembrou-se quando o pai se foi em missão e nunca mais voltou. Seus companheiros lhe trouxeram a katana do falecido herói e desde então nunca mais a soltou. A arma tornou-se uma extensão de seu braço. Sem ela, estava incompleto.

  Sua respiração estava cada vez mais fraca. O kimono azul já se tornara mais escuro pela quantidade de sangue que havia perdido, talvez por isso sentisse tanto frio. Bebericava mais o chá para se esquentar e tomar coragem de concluir o que deveria ser feito.

  Ele falhou. Deixou seu Senhor Feudal falecer em um ataque surpresa. Falhou em defender seu lar. Falhou ao ver que tudo estava em chamas e o inimigo tomado tudo. Os companheiros, amigos, mestres e aprendizes no chão, mortos...imóveis. Lembrava-se da fúria que sentia ao ver o Samurai Tigre Vermelho degolando aquela pobre criança. Suas katanas dançaram durante um longo tempo e o único som que se ouvia eram os gemidos de força, os gritos de raiva, o estalar do incêndio e o silvar dos metais.

  O ataque de Tigre Vermelho foi dócil, rápido e limpo. Lambeu-lhe a costela fazendo-o sentir o maior frio e medo que jamais sentira. Mas sabia que era necessário esse sacrifício para se aproximar do inimigo e fincar sua lamina na garganta dele. Tigre Vermelho era superior a ele em todos os aspectos: técnica, força, agilidade e concentração. Precisou se sacrificar para concluir seu legado e levar o adversário ao chão. O sangue que jorrava em suas mãos era um troféu de vitória, mas uma vitória triste, pois sabia que havia perdido tudo.

  O chá acabara, logo a hora de finalizar sua missão chegara. Cada movimento que fazia era meticulosamente orquestrado com cautela, concentração e gestos vagarosos. O que sobrara do kimono foi abaixado até o quadril. O dorso tremia de frio e dor e a ferida escorria cada vez mais sangue. Fincou sua katana na terra coberta de neve e colocou três pedras ao seu redor, uma em homenagem a sua amada, uma a seu pai e a outra ao seu senhor.

  Ele precisava terminar o seu Seppuku, terminar a sua vida. Jamais viveria como um Ronin, um homem sem honra, um guerreiro sem senhor. Seu legado havia terminado e ele deveria aceitar isso. Pegou sua wakizashi, uma pequena espada, e, de olhos fechados, com a imagem da esposa o observando entre as cerejeiras, fincou a arma no corte já aberto. Deu um leve gemido de dor, o suficiente para abrir os olhos e criar coragem de continuar e rasgar o resto do ventre, logo abaixo do umbigo.


  O corpo sem vida caiu no solo branco de neve e a poça vermelha foi tingindo o chão em um tom cada vez mais brilhante. Morrera feliz por concluir o seu legado, com honra e respeito. Morrera feliz, pois encontraria mais uma vez sua esposa nas cerejeiras.





André Bludeni

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O Cão e o Homem

  O despertador tocou às sete horas da manhã em ponto. Era mais uma Segunda-Feira onde ele iria ter que se arrastar para seu trabalho e morrer lentamente durante horas fazendo coisas que não gostava, param enfim, se arrastar novamente para sua casa e dormir.

  Levantou-se e viu o pequeno quarto todo bagunçado. Roupas e sacolas espalhados por todo o canto. Vestiu a primeira camisa que alcançou ( mesmo essa estando com uma pequena mancha de molho de tomate da semana passada nas mangas) e foi até a cozinha preparar seu elixir matinal, café preto e fervendo.

  Sentado e olhando fixamente para a parede branca da cozinha, bebericava o líquido esfumegante, pensando: “Como foi que a perdi? Talvez eu mereça... Sou um lixo ao final das contas. O que uma garota como aquela iria querer comigo? Falido, sem graça, sujo, feio... Não me surpreende minha mãe ter me deixado aos oito.”.

  Coçou a barba por fazer antes de se levantar largar a xícara junto com a pilha de louças para lavar e caixas de pizza, foi quando...

  - Você devia fazer uma faxina nesse lugar! E por favor, faça a barba e penteie o cabelo.

  O resto de café foi derramado na calça amassada com o susto que tomou. Os olhos arregalados dele ainda procuravam a fonte daquela voz, mas ninguém estava lá. Estava ainda dormindo? Ou ficou louco de vez?

  - Aqui embaixo, seu doido! Está tão depressivo que esqueceu que moro aqui também?

  Cautelosamente os olhos dele se abaixaram e avistaram o cachorro branco e marrom sentado à sua frente o encarando. Mas que porra que estava acontecendo? O cachorro estava falando?

  - Eu até gostava de você quando a Mamãe me trouxe para cá, mas agora que ela foi embora você não me dá mais bola. Estou sem passear faz dias e minha caminha está toda bagunçada....Ah! Aquele cocô na sala eu não sei quem fez, mas aposto que foi o porteiro! Ele sempre vem aqui de manhã deixar um jornal naquela pilha que você nem mais olha.

  O cachorro olhava para ele, sorrindo. Sim! Sorrindo! Enquanto abanava o rabinho. O homem estava boquiaberto, mas nada conseguia dizer. Paralisado, apenas apontava pro animal com o dedo tremulo.

  - Bom, agora que tenho sua atenção, vá se arrumar e trabalhar. Chega desse melodrama que você vai se atrasar de novo. Ela te deixou por que não tinha mais nada o que prolongar nessa relação. Toma rumo na vida, cara! Éramos parceiros, brincávamos juntos, você acariciava minha barriga e a gente assistia filmes juntos! Agora você me joga uma ração quando chega e só!

  Ainda sem entender bem como reagir, ele se arrumou e saiu para trabalhar. As horas no serviço passaram voando imaginando, mas que merda tinha sido tudo aquilo. O cão havia dado uma dura nele. Pior! O cão tinha FALADO com ele.

  Ao voltar do trabalho, abriu a porta devagar. Quem sabe não aparecia um periquito e também trocassem uma idéia. Mas o que encontrou foi apenas a mesma casa toda suja e bagunçada. Assobiou, chamou o animal e este não apareceu. Logo sentou-se no espaço que encontrara livre no sofá e tentou raciocinar.

  - Ah! Que bom que chegou! Está aqui a vassoura e a pazinha. Pode começar a limpeza pela sala.

  O cachorro, com a boca, jogou aos pés do dono os objetos e voltou a abanar o rabo. Agora o animal estava mandando ele limpar a casa.

  - Se quiser eu te ajudo, mas estou louco para brincar com a minha bolinha!

  O homem pegou a vassoura e a pá e começou a faxina, agora já aceitando sua loucura. Por mais que aquilo fosse algum problema mental da sua parte, o ego/canino estava certo. Enquanto varria o chão, via o pequeno serzinho correndo para lá e para cá com a sua bolinha. Poderia jurar que estava muito feliz do dono estar voltando a ativa. Seguindo para seu quarto, trombou com o animal saindo do banheiro e com um pedaço de papel higiênico preso na patinha traseira.

  - Banheiro interditado. Acho que o porteiro passou por lá também.

  Aquilo tudo era muito para sua cabeça. Será que era uma pegadinha da sua antiga amada? Ou realmente estava completamente biruta? Quando foi levar as roupas sujas para lavar, viu o cachorro colocando o telefone sem fio na bancada.

  - Eu ia cozinhar para nós, mas lembrei que não sei cozinhar e nem alcanço o fogão. Então pedi comida chinesa para nós. Gosta de yakissoba né?

  Após uma hora, enquanto pendurava as roupas no varal, o interfone tocou e o cachorro junto a vários latidos gritava: “A comida chegou! A comida chegou!”. Ambos se sentaram na mesa para comerem e o homem encarava ainda em silêncio o animal que parecia um esfomeado engolindo enormes pedaços de frango xadrez.

  - Diga-me, faz quanto tempo que você fala?

  O cachorro, com um pedaço de repolho pendurado na boca e mastigando de boca aberta respondeu: - Na verdade eu sou um anjo vindo do Paraíso personificado em cachorro para te tirar dessa depressão que irá lhe destruir.

  - Sé..sério?

  - Óbvio que não! Só estou brincando com a sua cara! Sou só um cão normal.

  - Mas você fala...

  - Todos nós falamos, só que vocês, humanos, não nos escutam. Se parassem para nós por um minuto se quer, veria que somos muito mais comunicativos e atenciosos que vocês mesmo. Me passa o molho de soja?

  O homem continuou a encarar o animal, respirou fundo e aceitou de vez a situação voltando a comer o rolinho primavera.

  O tempo foi-se passando e as rotinas com o seu novo amigo canino também. Sempre estavam juntos e tagarelando um com o outro sobre o que fizeram ao longo dos dias enquanto cuidavam da casa. O homem mudou sua aparência e descobriu que seu amigo amava correr no parque ao lado. Já o cão descobriu que as visitas do porteiro deveriam se limitar na área de serviço e que muitos latidos também não eram bem-vindos.

  Com os meses passando, o homem começou a namorar de novo. Uma linda e interessante garota. Obviamente seu cão teve que aprova-la e o ajudou muito em conselhos de comportamento e higiene (quem diria...). Eles ficaram noivos e o cão voltou a ter uma Mamãe como ele gostava de dizer. Até de vez em quando eles dormiam juntos, os três abraçadinhos.

  E assim, dois amigos voltaram a se conhecer e se amar. O homem saiu de seu buraco negro e profundo de tristeza, já o cão teve a companhia que merecia e que tanto presava.

  Aliás, eu acho que o cão é o herói da história. Eu deveria ter terminado dizendo que eu iria virar um supercão e ter várias cadelinhas,...errr...quer dizer...que o CãO viraria um super-herói.


  Bom, essa minha história, ops, história sobre esses amigos termina por aqui. Agora preciso conversar com uma certa pessoa que trouxe um gato pulguento pra casa...ARGH! Odeio aqueles felinos!



André Bludeni

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A Lenda de Cthulhu

  Quem nunca imaginou que existisse um ser supremo maligno? Bom eu descobri que essa criatura realmente existe!

  Obviamente nada cientificamente/religiosamente comprovado, Cthulhu é o ser que resume o puro e gigantesco mal do mundo, "criado" em 1928 por H.P . Lovecraft. 

  Sim! "Criado" entre aspas e explicarei o por quê!

  Cthulhu, é primeiro descrito por uma estatueta de barro feita à sua imagem e semelhança, depois é descrito como uma mistura de gigante, polvo e dragão, com uma cabeça cheia de tentáculos, corpo borrachudo e escamoso, asas de morcego e garras nas mãos e nos pés. 
  Segundo Lovecraft, ele representa um mal tão ancestral e terrível que vislumbrá-lo levaria qualquer humano às raias da insanidade. Isso até gerou um adjetivo próprio: "lovecraftiano". A pronúncia certa de falar o nome do monstro é "clutâlu", com um som bem gutural e alienígena.
   A provável origem do nome, seria uma transliteração do nome original, impossível de ser reproduzido em voz humana, e que teria dado origem a palavra árabe Khadhulu, que significaria “aquele que abandona”. No Alcorão existe a seguinte passagem: 25:29 – “Para a Humanidade Satan é Khadulu”.
  Segundo O Chamado de Cthulhu, obra do próprio Lovecraft, esse ser se esconde em R´lyeh, uma cidade submersa no Pacífico Sul. Embora secreta, sua presença causa uma ansiedade e um terror indefinido no inconsciente coletivo da humanidade. Os únicos que sabem de sua existência são uma seita que tenta despertá-lo com o cântico "Ph´nglui mglw´nafh Cthulhu R´lyeh wgah´nagl fhtagn" [Na casa em R'lyeh, Cthulhu, morto, aguarda sonhando]".

   As obras seguintes de Lovecraft (e de outros autores) ampliaram a mitologia em torno do monstro. Ele é um dos Grandes Anciões, divindades cósmicas anteriores ao homem e em guerra constante. Seu maior rival é Hastur, O Impronunciável, um Elemental do ar.
  Existem rumores de que Lovecraft na verdade baseou-se em lendas antigas de que realmente tal criatura maligna existisse dentro da religião pagã. Cthulhu apenas estaria esperando ser invocado para destruir o mundo através de puro mal, membro de uma raça antiga, que existia na terra muito antes dos humanos, conhecida como os Grandes Anciões. Tal raça governou a terra por um longo período concomitantemente com outras criaturas, que possuem poderes e capacidades muito além da compreensão de nós, seres humanos, meros mortais. Por razões desconhecidas, a cidade onde vivia Cthulhu e alguns dos Anciões afundou sob as ondas do mar, sepultando a raça das criaturas e libertando a humanidade, ainda em seus primórdios.
  O principal meio de comunicação dessas entidades cósmicas é a telepatia, e ainda que o destino os tenha sentenciado a ficarem soterrados nas profundezas abissais, eles ainda comunicavam-se entre si, mesmo mortos, e também comunicavam-se com os seres humanos. Cthulhu, o sacerdote destas criaturas, era capaz de se projetar telepaticamente na mente de humanos perturbados, insanos, ou hipersensíveis levando-os a cultuá-lo. Quando não os induzia à loucura, é lógico. 

  De todo modo, o culto a grande criatura antropoide manteve-se nos cantos mais remotos do planeta, seus cânticos repetidos em rituais profanos envolvendo idolatria a figuras medonhas e orgias de sangue e carne que muitas vezes envolviam outros demônios menores. Tais cultos subsistiam através esquimós na Groenlândia, ou de haitianos simpatizantes de magia negra, ou ainda de tribos indonésias, ou de grupos organizados na metrópole de Nova York. Não importava o local. Não há mente perturbada que não possa ser influenciada pelo poder de Cthulhu.





 André Bludeni

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Cinderela (+18)

  A porta pesada de ferro se abriu bruscamente iluminando a figura assustada no canto da sala encardida. O cheiro de carniça já era insuportável e a cada passo que a monstruosidade que entrara dava, mais a pequena figura frágil se encolhia de medo.

  Uma respiração ofegante seguida de um leve grunhido. Esse era o som bestial, animalesco, que a enorme figura monstruosa fazia habitualmente. Nunca conseguia ver seu rosto, feições, pela pouca luminosidade que tinha no local. Mas ela sabia que era algo praticamente não-humano. Algo monstruoso, grande e desfigurado. O pior não era a aparência, mas sim a índole. Ele era mal por natureza. Sentia em prazer em tortura-la. Era nítido! Por que estava fazendo aquilo?

  A Fera esticou seu enorme braço que mais parecia um grande tronco de árvore e levantou o delicado rosto da garota em direção à luz. Ela tremia de medo, chorosa. O rosto que uma vez fora estrela de novelas agora era marcado por uma maquiagem borrada, roxos, um nariz quebrado e muito sangue.

  - Por favor, me solte! Eu tenho dinheiro. Posso te pagar o quanto quiser.

  Uma mistura de rugido e uma leve risada ecoaram na sala escura vazia. A Fera achava graça, pois todas sempre diziam a mesma coisa. Por que raios elas achavam que ele queria dinheiro? Se fosse isso, ele já teria conseguido há muito tempo.

  As enormes mãos foram iluminadas pela lâmpada em cima da cabeça da atriz. Gigantes, pálidas, largas e com longos dedos. As unhas eram compridas e encardidas. A carne toda marcada por cicatrizes. Os olhos verdes da moça acompanhavam o movimento daquelas aberrações, convicta de que aquilo realmente não poderia ser uma pessoa normal.

  Os dedos, delicadamente, fizeram um improviso de coque nos sedosos cabelos loiros da mulher. Os cabelos que protagonizaram diversos comerciais de shampoos e condicionadores. Em seguida veio o leve acariciar no rosto machucado. O mesmo rosto que uma vez fez campanha de produtos de beleza e de joias.

  - Eu sei que você vai me matar. Eu sei disso...

  A atriz começara a se desesperar e chorar cada vez mais, enquanto as garras, agora arrumavam o lindo vestido azul que ele a forçara a vestir no começo da tortura há alguns dias, semanas,... Ela não lembrava mais a data.

  - Eu sei que posso te oferecer qualquer coisa que você não aceitará. Dinheiro, fuga, meu corpo. Qualquer coisa. Eu sei que vou morrer...

  A figura grotesca se distanciou dela e foi ao lado oposto da sala. Isso é o que mais a incomodava. Ele nunca a respondia. Era indiferente sempre! Nunca mostrava nenhuma reação ao que ela falava.

  Em cima de uma mesa, ele pegou uma pequena caixa de couro e a abriu delicadamente. Mesmo tendo mais de dois metros, provavelmente pesando mais de cento e cinquenta quilos, seus movimentos eram sempre muito sutis e ágeis.

  - Eu vim do nada! Nasci numa cidade pobre, com família pobre! Não tive dinheiro na infância para comprar a boneca que eu quis. Passei fome! Eu sei o que é sufoco! Cresci graças a minha beleza. Fiz coisas que me arrependo, mas cresci! O ramo artístico não é fácil. Engoli muitos sapos, mas fiz e não me arrependo! Hoje sou bem sucedida, famosa e importante. Tenho fãs, dinheiro e sou considerada uma estrela! Eu posso morrer como você fez com aquela outra garota, mas então eles irão atrás de você. Achou que eu não fosse perceber que era você o assassino dela? A Branca de Neve como os jornais disseram! Você é o assassino mais procurado do país! Eles te encontrarão e você irá pagar por tudo! A mídia não vai deixar minha morte passar em vão! O que você fez com aquela garota foi desumano! E o que você vai fazer comigo...

  A atriz desabou em choro. A figura grotesca voltava vagarosamente, segurando algo pequeno nas garras, coberto por um pano sujo. Pareceu desconsiderar a ameaça da atriz. No fundo ele sabia que tudo o que ela dizia iria acontecer. E quer saber? Ele gostava! Ele queria isso!

  A Fera abaixou-se e foi com as mãos em direção aos pequenos pés descalços da atriz. Esta, ao perceber, gritou e se debateu para ele não conseguir alcança-la. Obviamente tudo em vão. Foi apenas a Fera querer realmente segura-la que o fez com a menor dificuldade. Suas mãos pareciam segurar pequenos gravetos, enquanto puxou as finas pernas da moça para estica-las.

  Ela gritava, esperneava, pedia por socorro, pedia perdão e logo em seguida o xingava dos piores nomes e voltava a ameaça-lo. Mas der repente parou. Parou quando olhou para os seus pés. Com a maior delicadeza do mundo, a Fera havia lhe colocado os mais lindos sapatos que ela já vira na vida e afastou-se para ela aprecia-los. De puro cristal, encaixaram perfeitamente nos contornos de seus calcanhares e dedos. Com um salto agulha tão fino que parecia que quebraria a qualquer momento. A luz da lâmpada em sua cabeça fazia os lindos sapatos brilharem e refletirem arco-íris nas paredes escuras.

  Ela estava maravilhada, ela estava em paz. A atriz conseguiu abrir um sorriso depois de tudo. Depois de tanta tortura, não lembrava a última vez que conseguiu sentir tamanha felicidade dentro do peito. Satisfeita, ela fechou os olhos e encostou a cabeça na parede. Voltara a ser linda novamente. Voltara a ser a estrela que era. Voltara a brilhar novamente.

  Ao abrir os olhos, o sorriso sumiu e nunca mais voltou. A última coisa que viu foi um enorme vulto cair em direção a sua cabeça antes de esmaga-la em espirrar sangue, carne, pedaços de ossos e miolos para os lados. A última coisa que ouviu foi o badalar do relógio avisando que chegara o dia seguinte. Que chegara a meia noite.

  O vulto ainda subiu e desceu mais três vezes para ter certeza de que nada da cabeça da atriz havia apenas uma pasta vermelha cheia de cabelos loiros sujos. Na quarta vez, a Fera levantou bem alto os braços para ter certeza da morte da atriz. Por fim jogou ao que sobrara do corpo da mulher a enorme réplica de uma abóbora, mas de puro aço, esmagando as costelas do cadáver. O peso da abóbora de metal era tão grande que seu barulho ecoou ao cair. Precisaria de duas ou mais pessoas normais para levanta-la, mas a Fera fez aquilo sozinha e sem nenhum esforço.

  A respiração prazerosa seguida de grunhidos sincronizava com as badaladas da meia noite. Silêncio, apenas os sons bestiais e o badalar. A Fera estava em transe, estalando o pescoço, respirando e grunhindo fundo, enquanto espreguiçava cada parte do corpo em êxtase.

  Mais uma morte concluída, mais um passo dado.


  A Fera saiu vagarosamente da sala deixando o cadáver no local. Ele tinha planos para ele, afinal, aquilo era apenas o começo de tudo.


CONTINUA...




André Bludeni

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Eu quero é ser "doutô" !

  O tranco o fez acordar assustado. Quase perdeu o equilíbrio e caiu para fora da caçamba do caminhão, mas por sorte conseguiu se segurar na lona que cobria as gigantes caixas de banana que estavam sendo transportadas.

  Já estava escuro e ele não se recordava quantos dias já tinham se passado desde que pedira carona para o velho caminhoneiro no começo de sua jornada. Aliás, pouco conversou com ele. Suas trocas de palavras se resumiam em “bom dia” e “boa noite” nas paradas que faziam nos postos de gasolina ou nas ajudas que prometeu ao caminhoneiro em descarregar a carga em troca da viagem. Não existia simpatia, amizade ou preocupação entre os dois, apenas trocas de favores.

  A estrada já estava mais iluminada do que o de costume. Pelo menos tinham postes de luz e concreto de boa qualidade pelo caminho. O homem estava cansado, fraco com toda essa viagem. Sabia que não iria ser fácil, mas não imaginava que passaria tanto sufoco já no começo.

  Saiu de sua vila no interior de Manaus com cinco reais no bolso, um saco plástico com duas trocas de roupa, um pão velho e um pedaço de rapadura que sua mãe sempre fazia. Estava indo para a cidade grande, especificamente São Paulo. Iria trabalhar, estudar e virar “doutô”. Seu sonho mesmo era comprar uma moto, igual aquelas que via nas novelas da televisão pequenininha do seu tio Arlindo.

  Não estava acostumado com o clima da cidade. De onde vinha era calor o tempo todo, inseto pra todo lado, mas todo mundo sorria, mesmo se estivessem devendo algumas contas. Agora, cada vez que avançavam mais para o Sul do país, o clima esfriava e as pessoas pareciam sorrir cada vez menos. Pelo menos os carros ficavam mais bonitos.

  A cada buraco que passavam o jovem tinha que se segurar mais. Parecia que o caminhoneiro (não lembrava o nome dele. Era Jair ou Raí?) estava com pressa de chegar a sua parada final. A barriga roncava muito, sinal de que não comia fazia tempo. Ele tinha que economizar, pois o pão já acabara e a rapadura estava nas últimas mordidas. Ele deu sorte da prostituta de Goiás ter ido com a cara dele e ter pagado um pão de queijo depois de ter recebido vinte reais de seu último cliente. O salgado durou mais do que duas refeições dentro de sua sacola. Ele morria de vontade de comer as bananas que o caminhoneiro levava, mas foi avisado antes que subisse de que se faltasse sequer uma banana era “tiro na cara”. Preferiu não arriscar.

  Seu cheiro já o incomodava. Fazia muito tempo que não se banhava decentemente, mas isso iria mudar. Ele estava chegando em São Paulo. Iria ganhar dinheiro, ficar rico, virar “doutô” e comprar um chuveiro com água quente. Só a Dona Hortência tinha chuveiro quente na sua vila e ele prometeu que ia comprar uma melhor que a dela.

  Enfiou a mão na sacola para pegar o final da rapadura. Já estava esfarelando de tão velha, mas ao levar a boca não a engoliu. Algo lhe chamou a atenção que fez o jovem ficar perplexo e em choque. Primeiro foi o grande avião que passou por sua cabeça. Aquilo era coisa de outro mundo. Não imaginava que fizesse tanto barulho. Mas o que lhe chamou a atenção mesmo foi os gigantes monstros de aço iluminados.

  Os arranha-céus da Marginal fizeram o jovem do interior de Manaus ficar boquiaberto e perplexo. Eram monumentais. As maiores coisas que já viu na vida. Brilhantes, lindos, pareciam coisas de E.T.. Ele queria morar dentro de um daqueles, no andar mais alto. Queria tomar banho de água quente enquanto ficava olhando tudo lá de cima para depois andar na sua moto e ir pro “serviço de doutô”.

  Quando se deu conta, sua rapadura já tinha caído na estrada e já estavam perto do ponto final. Era muita luz, muito movimento. Pessoas e carros andavam para todos os lados. Todas muito sérias, não se cumprimentavam. Pareciam atrasadas, mesmo sendo de madrugada.

  O caminhoneiro parou o veículo em um armazém. Sem trocarem palavras mais uma vez, descarregaram a última encomenda juntos. A despedida foi um pouco mais calorosa. Um aperto de mão, um desejo de boa sorte pelo caminhoneiro e dez reais pela última ajuda. Eitá sorte boa! Já estava lucrando.

  O caminhão foi embora e ele ficou parado na estrada vendo as luzes se afastarem cada vez mais. E agora? Pegou sua sacola, arrumou o chinelo arrebentado e seguiu seu caminho por aquela “savana” de luzes, aço e gente esquisita.





  Eu poderia terminar essa história dizendo que o jovem realmente virou doutor, teve sua cobertura na parte mais nobre de São Paulo com seu chuveiro quente e uma moto de última geração, mas sabemos que isso é algo que infelizmente não acontecerá. Essa é uma história de não apenas um protagonista, mas de vários. Homens, mulheres e crianças. Alguns com pouca voz, outras com nenhuma.

  Milhares de pessoas saem de suas casas na esperança de uma melhoria de vida por causa de uma falsa imagem de que em grandes capitais terão a chance de ter sucesso. Uma parcela mínima consegue tal proeza, já o restante vivem vidas miseráveis, longe de suas famílias, sem apoio, sem para onde ir e poder voltar. Passando por empregos sub-humanos onde conseguem um sustento caótico que mal os supre. Alguns viram andarilhos em rua, sem estrutura vivendo de esmolas. Já outros encontram um destino mais mortal. Nem preciso mencionar aos que nem ao menos sobrevivem até o fim da viagem.

  E o que deve ser feito? Realmente eu não sei. Minha aposta é em um investimento total em Educação em todo o país. Esqueça a saúde, alimento e moradia. Isso virá com a consequência de uma boa educação da população. Com uma infraestrutura educacional de nível, as pessoas terão chances de desenvolvimento em seus próprios locais e assim não terão que se aventurar em cidades longe de suas casas para ter uma chance mínima de sucesso em condições precárias.


  E enfim, depois de tudo isso, vamos ter um final feliz? Eu também não sei responder. Só sei que até lá mais milhares de indivíduos virão em caçambas de caminhões e ficarão maravilhados com os arranha-céus querendo ser “doutô”.


André Bludeni

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Os Duendes do Bistrô

  Os lampiões do bistrô se apagaram, deixando apenas a brasa da lareira se queimar por completo.  O barulho da chave trancando a pesada porta de madeira foi o sinal de “tchau” que o pequeno espaço rústico recebeu naquela noite fria.

  O espaço não era lá essas coisas. Todo feito em pedra, havia um par de mesas de madeira bruta acompanhado de cadeiras no mesmo estilo que precisavam de um calço. O forno a lenha e a bancada da cozinha estavam cheio de potes, panelas, pratos, copos e vasilhas espalhados por todo o espaço. Mas o real charme do bistrô estava ao fundo dele, com a grande lareira, duas poltronas velhas ( uma de couro descascado pela idade e outra de pano com manchas de vinho) e um enorme tapete de pele para aconchegar o lugar.

  Tudo em silêncio, tudo relativamente aquecido enquanto a nevasca caia do lado de fora e embaçava a janela de vitral. As sombras dos livros, objetos e quadros  que enfeitavam o lugar, dançavam no ritmo das pequenas labaredas que estalavam ao fundo do bistrô ditando a música.

  Mas havia uma sombra que saia do compasso da dança. Uma sombra menor que um garfo, mas que corria entre as outras rapidamente numa agilidade impressionante. Os desavisados achariam que era um camundongo ou uma grande barata, mas na verdade era Fervilho, o duende mais rápido da comunidade que vivia no subsolo do bistrô, logo abaixo as tábuas de madeira que rangiam com qualquer peso a mais.

  Fervilho era considerado um duende atlético. Um pouco mais alto do que seus amigos, quando mais novo era considerado um ótimo partido, mas a leve barriga da idade já se apresentara fazia em torno de dez invernos. Ao subir no topo de um livro sobre frutos do mar, seu rosto foi iluminado pelo fogo da lareira.

  Os olhos de Fervilho observavam todo o espaço com cautela. Qualquer coisa, seja humano ou animal, era um predador para os duendes. As orelhas de abano escutavam cada som e o nariz pontiagudo fungava por cheiros desconhecidos.  Um leve assobio de Fervilho fez  Touca, Pingado, Florida e Babbo saírem da toca de rato e correrem na direção da bancada.

  Pingado liderava o grupo. Ganhou esse nome quando era pequeno e ficou dias tomando doses de aguardente para provar que era o mais forte do grupo. Era baixo e bem roliço. A barba que uma vez fora loira, agora tinha um aspecto encardido.

  Ao chegar à bancada, Pingado, com uma linha, laçou um grande pote de pepinos em conserva no topo para poderem subir. O primeiro a escalar a enorme bancada foi Touca. Seu nome vinha por nunca atirar a touca vermelha do topo da cabeça. Ela era de seu pai, antes deste ser comido por um besouro. Desde então Touca começou a usar o chapéu do pai (muito maior que seu número) e nunca mais falou com ninguém.

  A segunda a subir foi Florida. Uma linda duende loira e de olhos azuis. Suas orelhas pontudinhas eram seu charme entre os emaranhados cabelos dourados. Adorava trocar todo dia a flor que prendia em sua touca lilás. Poderia parecer ingênua, mas com certeza era uma das mais espertas da comunidade e sempre tivera voz ativa.

  Por último a subir foi Babbo. Ele não tinha sido requisitado para essa missão, pois além de muito velho para tal aventura, seu físico não ajudava, mas como um dos mais sábios e líderes, decidiu mostrar que ainda poderia ajudar os mais novos. Seus cabelos brancos eram bem arrumados dentro da touca pontuda vermelha. Apenas as maçãs do rosto, bem avermelhadas eram vistas de sua face, pois o resto era coberto por uma enorme penugem branca que ia até sua barriga bem inchada. O colete verde parecia que iria explodir.

  Todos no topo, começaram a se dividir. Touca ficou responsável pelas carnes, logo correu rapidamente para buscar lascas de embutidos e do grande pernil que sobrara do jantar dos humanos. Pingado correu para os laticínios, pois não havia nenhum duende que não gostasse de um bom queijo e leite. Florida ficou com os legumes verduras, pois sempre pensava na saúde de todos. Já Babbo, como um bom vivant, foi aos doces e ao vinho.
  Poucos minutos se estenderam até se encontrarem no pote de pepino novamente. Todos com as pequenas sacolas e pequenas garrafas cheias. Foi quando Babbo percebeu:

   - Onde está Fervilho?

  Os duendes começaram a olhar para todos os lados do bistrô procurando o grande amigo, mas nada, foi quando viram um pequeno vulto correr em sua direção entre as louças. Fervilho bufava de cansaço, todo vermelho e suado, segurando a touca, mas não deixando de correr.

   - Roquefort! Roquefort! Roquefort!

 Pingado, ainda sem entender do que se tratava, abriu sua sacola e conferiu o que tinha pego.

  - Mas eu peguei roquefort. Inclusive mais do que provolone...

  Foi quando Florida arregalou os olhos e segurou no antebraço de Pingado.

  - Não é do queijo que ele está falando, Pingado.

  O enorme gato Roquefort pulou na bancada derrubando todas as panelas no chão. A cada passo, o gato branco e cinza lambia os lábios esfomeadamente olhando suas pequenas presas. Os pobres duendes correram cada um para um lado.

  Enquanto Babbo e Florida corriam para se esconder atrás dos panelaços, Pingado e Fervilho puxaram suas pequenas agulhas que usavam de espadas e correram na direção do monstro peludo. A cada pontada nas patas de Roquefort um deles era arremessado para longe. As luzes da lareira iluminavam uma chuva de pratos, nozes, panelas e vinhos voaram pelos ares enquanto a batalha explodia perto do fogão à lenha.

  Pingado tentou um ataque perto do rosto de Roquefort, mas uma patada o derrubou pra dentro do saco de arroz. Foi quando Fervilho se viu encurralado entre o pote de tomate seco e o saco de cebolas. Roquefort avançava vagarosamente preparando o bote. Alí acabava a história de Fervilho, o duende.

  Quando Roquefort deu o pulo para acabar com o sofrimento de Fervilho, algo aconteceu e o pequeno duende pode abrir os olhos mais uma vez. Era Touca que havia saltado das estantes de livro de culinária para as costas do bichano. O pequeno duende parecia um peão de boiadeiro se segurando nos pelos do animal que se contorcia para tirar Touca de cima dele.

Essa foi a deixa para Fervilho se levantar correr até a ajuda de Touca. Pingado também enquanto tirava alguns grãos de arroz da roupa. Os três duendes furavam o animal que chiava de dor e raiva até Babbo e Florida voltarem por trás do grande animal e prenderem sua cauda embaixo de uma enorme panela de guisado.

  Roquefort miava de raiva, puxando o rabo e tentando alcançar os cinco duendes que juntavam a comida para fugirem o quanto antes. Um a um foram descendo pela linha do pote de pepino.  A última a descer foi Florida que quase foi atingida por uma garrafa de vinho que vinha rolando em sua direção pela bancada.

O longo percurso até a toca de rato foi o tempo suficiente para Roquefort se soltar e correr atrás dos pequeninos. As cadeiras voaram por causa do último bote de Roquefort que chegou a enfiar sua enorme pata peluda e cheia de unhas para dentro do buraco, mas sem sucesso de alcançar nenhuma de suas presas. Apenas a alça direita do suspensório de Babbo fora rasgada pelas garras do bichano.

  Os cinco, ofegantes, se entreolharam por segundos em silêncio. Os olhos assustados passavam de um a um até Touca começar a gargalhar. Os outros quatro voltaram seus olhares para ele, ainda incrédulos, mas também caíram na gargalhada juntos do amigo mudo.

  Os duendes voltaram para sua comunidade e foram recebidos com muitas palmas, ovações e assobios, mesmo porque o banquete para a ceia eles haviam conseguido. Agora era a hora de festejar, comer, dançar e, claro, ouvirem mais uma aventura dos duendes do bistrô.
 


                                      Para Maria Célia de Paula Pinto Nazário, onde quer que esteja.



André Bludeni