sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Cinderela (+18)

  A porta pesada de ferro se abriu bruscamente iluminando a figura assustada no canto da sala encardida. O cheiro de carniça já era insuportável e a cada passo que a monstruosidade que entrara dava, mais a pequena figura frágil se encolhia de medo.

  Uma respiração ofegante seguida de um leve grunhido. Esse era o som bestial, animalesco, que a enorme figura monstruosa fazia habitualmente. Nunca conseguia ver seu rosto, feições, pela pouca luminosidade que tinha no local. Mas ela sabia que era algo praticamente não-humano. Algo monstruoso, grande e desfigurado. O pior não era a aparência, mas sim a índole. Ele era mal por natureza. Sentia em prazer em tortura-la. Era nítido! Por que estava fazendo aquilo?

  A Fera esticou seu enorme braço que mais parecia um grande tronco de árvore e levantou o delicado rosto da garota em direção à luz. Ela tremia de medo, chorosa. O rosto que uma vez fora estrela de novelas agora era marcado por uma maquiagem borrada, roxos, um nariz quebrado e muito sangue.

  - Por favor, me solte! Eu tenho dinheiro. Posso te pagar o quanto quiser.

  Uma mistura de rugido e uma leve risada ecoaram na sala escura vazia. A Fera achava graça, pois todas sempre diziam a mesma coisa. Por que raios elas achavam que ele queria dinheiro? Se fosse isso, ele já teria conseguido há muito tempo.

  As enormes mãos foram iluminadas pela lâmpada em cima da cabeça da atriz. Gigantes, pálidas, largas e com longos dedos. As unhas eram compridas e encardidas. A carne toda marcada por cicatrizes. Os olhos verdes da moça acompanhavam o movimento daquelas aberrações, convicta de que aquilo realmente não poderia ser uma pessoa normal.

  Os dedos, delicadamente, fizeram um improviso de coque nos sedosos cabelos loiros da mulher. Os cabelos que protagonizaram diversos comerciais de shampoos e condicionadores. Em seguida veio o leve acariciar no rosto machucado. O mesmo rosto que uma vez fez campanha de produtos de beleza e de joias.

  - Eu sei que você vai me matar. Eu sei disso...

  A atriz começara a se desesperar e chorar cada vez mais, enquanto as garras, agora arrumavam o lindo vestido azul que ele a forçara a vestir no começo da tortura há alguns dias, semanas,... Ela não lembrava mais a data.

  - Eu sei que posso te oferecer qualquer coisa que você não aceitará. Dinheiro, fuga, meu corpo. Qualquer coisa. Eu sei que vou morrer...

  A figura grotesca se distanciou dela e foi ao lado oposto da sala. Isso é o que mais a incomodava. Ele nunca a respondia. Era indiferente sempre! Nunca mostrava nenhuma reação ao que ela falava.

  Em cima de uma mesa, ele pegou uma pequena caixa de couro e a abriu delicadamente. Mesmo tendo mais de dois metros, provavelmente pesando mais de cento e cinquenta quilos, seus movimentos eram sempre muito sutis e ágeis.

  - Eu vim do nada! Nasci numa cidade pobre, com família pobre! Não tive dinheiro na infância para comprar a boneca que eu quis. Passei fome! Eu sei o que é sufoco! Cresci graças a minha beleza. Fiz coisas que me arrependo, mas cresci! O ramo artístico não é fácil. Engoli muitos sapos, mas fiz e não me arrependo! Hoje sou bem sucedida, famosa e importante. Tenho fãs, dinheiro e sou considerada uma estrela! Eu posso morrer como você fez com aquela outra garota, mas então eles irão atrás de você. Achou que eu não fosse perceber que era você o assassino dela? A Branca de Neve como os jornais disseram! Você é o assassino mais procurado do país! Eles te encontrarão e você irá pagar por tudo! A mídia não vai deixar minha morte passar em vão! O que você fez com aquela garota foi desumano! E o que você vai fazer comigo...

  A atriz desabou em choro. A figura grotesca voltava vagarosamente, segurando algo pequeno nas garras, coberto por um pano sujo. Pareceu desconsiderar a ameaça da atriz. No fundo ele sabia que tudo o que ela dizia iria acontecer. E quer saber? Ele gostava! Ele queria isso!

  A Fera abaixou-se e foi com as mãos em direção aos pequenos pés descalços da atriz. Esta, ao perceber, gritou e se debateu para ele não conseguir alcança-la. Obviamente tudo em vão. Foi apenas a Fera querer realmente segura-la que o fez com a menor dificuldade. Suas mãos pareciam segurar pequenos gravetos, enquanto puxou as finas pernas da moça para estica-las.

  Ela gritava, esperneava, pedia por socorro, pedia perdão e logo em seguida o xingava dos piores nomes e voltava a ameaça-lo. Mas der repente parou. Parou quando olhou para os seus pés. Com a maior delicadeza do mundo, a Fera havia lhe colocado os mais lindos sapatos que ela já vira na vida e afastou-se para ela aprecia-los. De puro cristal, encaixaram perfeitamente nos contornos de seus calcanhares e dedos. Com um salto agulha tão fino que parecia que quebraria a qualquer momento. A luz da lâmpada em sua cabeça fazia os lindos sapatos brilharem e refletirem arco-íris nas paredes escuras.

  Ela estava maravilhada, ela estava em paz. A atriz conseguiu abrir um sorriso depois de tudo. Depois de tanta tortura, não lembrava a última vez que conseguiu sentir tamanha felicidade dentro do peito. Satisfeita, ela fechou os olhos e encostou a cabeça na parede. Voltara a ser linda novamente. Voltara a ser a estrela que era. Voltara a brilhar novamente.

  Ao abrir os olhos, o sorriso sumiu e nunca mais voltou. A última coisa que viu foi um enorme vulto cair em direção a sua cabeça antes de esmaga-la em espirrar sangue, carne, pedaços de ossos e miolos para os lados. A última coisa que ouviu foi o badalar do relógio avisando que chegara o dia seguinte. Que chegara a meia noite.

  O vulto ainda subiu e desceu mais três vezes para ter certeza de que nada da cabeça da atriz havia apenas uma pasta vermelha cheia de cabelos loiros sujos. Na quarta vez, a Fera levantou bem alto os braços para ter certeza da morte da atriz. Por fim jogou ao que sobrara do corpo da mulher a enorme réplica de uma abóbora, mas de puro aço, esmagando as costelas do cadáver. O peso da abóbora de metal era tão grande que seu barulho ecoou ao cair. Precisaria de duas ou mais pessoas normais para levanta-la, mas a Fera fez aquilo sozinha e sem nenhum esforço.

  A respiração prazerosa seguida de grunhidos sincronizava com as badaladas da meia noite. Silêncio, apenas os sons bestiais e o badalar. A Fera estava em transe, estalando o pescoço, respirando e grunhindo fundo, enquanto espreguiçava cada parte do corpo em êxtase.

  Mais uma morte concluída, mais um passo dado.


  A Fera saiu vagarosamente da sala deixando o cadáver no local. Ele tinha planos para ele, afinal, aquilo era apenas o começo de tudo.


CONTINUA...




André Bludeni

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