segunda-feira, 27 de abril de 2015

Limbo: Mais Gole Desse Vinho

um dia ele resolveu abrir a mim suas dores de amor.
ele dizia assim: poxa, Roberto, eu fiz tudo o que eu pude por aquela mulher. conheci sua mãe, seu gato, sua samambaia, suas comidas favoritas. aprendi algumas palavras em árabe para agradar a seus avós, perdi horas de sono observando ela dormir. sorri diversas vezes ao trânsito do meio dia só para vê-la por alguns minutos em seu intervalo de almoço.
eu tolerei aqueles certos amigos, Roberto, sem falhar com nenhum. estive com ela na doença e nos seus sonhos. entreguei meu corpo aos seus projetos.
eu fui dela, cara, eu fui só dela por todos esses anos.
ela é dona dos olhos mais encantadores que eu já vi... e o cheiro dela, Roberto? o cheiro dela sempre me consumiu por inteiro.
eu sempre achei que ela me amasse assim, meu amigo. eu realmente acreditei nisso.
assim como acreditei nas suas horas extras e que as vezes ela dormia na casa da avó. acreditei que o roxo que apareceu na sua bunda era mesmo fruto de uma mera batida. acreditei quando ela disse que o cheiro musgoso na sua roupa era porque ela tinha usado o desodorante do irmão e também quando ela disse: aquele cara era meu primo de quarto grau e ele sempre foi assim carinhoso comigo, você não deve enciumar.
ela já não é minha, Roberto. eu sinto no seu abraço, no recuo da sua língua no beijo e até mesmo na sua ausência durante o sexo.
ela parou de olhar em meus olhos ao longo desses últimos dias.
ela até trocou de perfume e cortou os cabelos.
não me atende com a mesma alegria.
tem preferido estar sozinha quando em casa.
não me mostra mais os seus textos.
e ontem, Roberto, quando eu disse que a amava, ela desviou o olhar, levantou-se e foi até a cozinha pegar um copo de água. de lá foi direto pra cama e dormiu antes que eu chegasse.
sabe, amigo, eu preciso mesmo deixá-la. se é isso que ela quer e precisa, não é mesmo?
mas ela não me diz nada, cara. ela não abre aquela boca deliciosa para falar nada.
eu já questionei e ela só diz "é bobagem sua, esta tudo bem"
mas eu a conheço, Roberto! eu sei que ela não está mais feliz.
não vou pedir-te conselho algum. agora de nada eles me servem.
perdi em pranto metade do meu corpo.
ela vai voltar a sorrir, Roberto, e dizer sem pudor "eu também te amo", eu sei que vai. mas será longe de mim e será para outro cara.
e essa é a ultima coisa que eu farei por ela.
pode anotar ai, Roberto. eu vou ressuscitar também e dessa vez eu farei tudo o que eu puder, mas por mim.
acho que é o que eu deveria ter feito sempre, não é?
ora, não responda! dessas coisas nenhum de nós nunca vamos saber... nem adianta conspirarmos.
dá-me aqui mais gole desse vinho.






Beatriz Mansano

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