quarta-feira, 29 de abril de 2015

Branca de Neve (+18)

  Aos poucos ela foi abrindo os olhos e voltando a consciência. O olho direito não se abria, mas isso não fazia tanta diferença já que o quarto era praticamente um breu total. O desespero começou a bater na sua mente e as lágrimas a escorrerem do olho que conseguia abrir. A calma não conseguia tomar conta do medo e aflição que ela sentia. O rosto no lado esquerdo ardia como fogo e ela tinha certeza que todo esse lado de sua face estava bem inchado dos murros que recebera ao longo das horas. 

  As péssimas e horrendas memórias começavam a voltar a sua mente. Não conseguia se lembrar bem como chegou naquele quarto fétido e escuro, mas lembrava-se da figura que a algemara no canto do quarto junto ao cano quebrado que lhe cortou o braço mais de quatro vezes. 

  O cheiro do lugar era uma mistura de fezes e mofo. Já perdera a noção de quantas horas estava lá, mas poderia chutar em torno de umas dezoito. Nas dez primeiras foi socada e bicada por aquele monstro diversas vezes. Ele urrava e grunhia a cada golpe, e ela perdia aos poucos os sentidos, mas ele nunca a deixava desmaiar.

  Ela não entendia exatamente o por quê daquilo estar acontecendo. Sempre fora uma pessoa muito trabalhadora, dedicada e bondosa. Agente de publicidade, ainda morava com os pais por estar apenas noiva, mas os tratava como nenhum filho fazia. Amava-os com toda a vontade que poderia ter, e não era para menos, já que os sentimentos eram recíprocos pela princesinha da casa. Sempre fora a garota mais linda de todos os lugares que frequentava. Alta, de corpo cheio de curvas, olhos verdes como safiras e cabelos negros como a noite. Mas agora ela olhava para o chão empoeirado e via suas madeixas negras espalhadas pelas tábuas de madeiras encardidas. O choro não se cessava.

  O que ela teria feito para merecer tudo aquilo? A lembrança das últimas horas lhe vieram a cabeça e agora entendia o motivo de ter apagado. Aquele mostro lhe quebrara as pernas na altura dos joelhos. Foram severas pisadas nas finas pernas até ela cair desmaiada de tanta dor. Agora ela olhava para baixo e apenas via troncos finos e quebrados ao meio, que uma vez já foram suas pernas. A dor já havia passado, talvez por tentar não mexe-las, talvez por também não conseguir fazer isso.

  O rosto deformado, os cabelos arrancados e as pernas quebradas. Ela não enxergava possibilidades de fugir. o diálogo com a horrenda figura não adiantou nenhuma vez, exatamente como os gritos e choros de desespero. Ninguém estava lá para acudi-la. Precisava manter a calma.

  Talvez ela tivesse conseguido esfriar a cabeça se o barulho da chave destrancando a porta não tivesse acontecido. o desespero e o choro vieram repentinamente, junto com a medonha figura que entrava. Seu torturador era muito alto e largo. Não gordo, mas muito forte. Andava rastejando as pernas e encurvado, parecendo um enorme urso cansado. Ela apenas conseguia gemer alguns "Por favor, por favor..." entre os choros, lágrimas e babas, mas o mosntro não lhe dava ouvidos. Ele continuava a se rastejar e a grunhir a cada respiração. Sim, ele respirava grunhindo, com dificuldade. Por mais que ela tentasse enxergar mais características da figura, a falta de um olho e a escuridão não lhe permitiam ter sucesso.

  "Eu não sei o que eu fiz, mas me desculpe. Nós podemos resolver isso. Você não precisa continuar a fazer essas coisas." Ele se curvou mais, do outro lado do quarto, como se estivesse procurando algo. Jogava objetos para o alto e a ignorava por completo. "Eu juro que não contarei para ninguém sobre isso, sobre você! Por favor!". Mais grunhidos e objetos caindo. "Eu só quero ver meus pais e meu noivo novamente.". Agora os sons animalescos da figura se misturavam com o choro de desespero da jovem moça.

  Os objetos pararam de ser arremessados e em questão de segundos um enorme objeto começou a ser arrastado pelo monstro em direção a moça. "O que é isso? Aí meu deus, o que é isso? Por favor, meu pai tem dinheiro. Nós podemos resolver isso de outra maneira. Por favor."

  O caixão era arrastado com muita facilidade pela figura. Era um caixão pequeno, talvez para criança, mas mesmo assim a figura a puxava com uma única mão. "Não! Por favor, não! Eu faço o que você quiser! Não!". Agora a última coisa que ela conseguia ter era calma. O desespero e o medo a consumiram por completo! Havia um caixão vazio à sua frente.

 A enorme figura se aproximava enquanto ela se debatia, mas ele a conteve com mais facilidade do que uma pessoa segurava um filhote de cachorro. Ela tentou lhe morder o braço, mas o golpe que ele lhe deu na cabeça contra a parede a fez ficar mais zonza do que já estava.

  As roupas lhe foram tiradas com delicadeza. Ainda estava tonta e o choro foi a única coisa que conseguia fazer como reação. Aos poucos sentiu-se ser vestida em uma roupa diferente. A sensação do tecido novo na pele era curiosamente confortante, já que suas antigas roupas, além de rasgadas, estavam sujas de sangue e urina. Quando se deu conta, já tinha sido colocada com carinho dentro do caixão vestindo um lindo vestido amarelo com detalhes em azul turquesa.

  Ao perceber que o monstro lhe observava, ainda respirando com dificuldade, ela voltou a chorar mais alto pedindo clemência. Pela primeira vez ela viu sua mão. Era duas vezes maior que seu rosto, pálida, cheia de cicatrizes. Os dedos eram grossos, longos, com unhas compridas e pontiagudas. Realmente aquilo não era uma figura humana, mas ele a tocava as bochechas com cuidado, delicadeza e carinho. A alisava as bochechas com as costas da mão fria e fazia um som que ela imaginava ser para acalma-la. Preferiu não contraria-lo. Tentava engolir o choro e voltar a dialogar. "Você não precisa fazer isso". Ele colocava as pernas quebradas da moça para dentro do caixão dobradas para o lado. O desgraçado as havia quebrado na altura certa para ela caber dentro da caixa de madeira.

  "Escute-me, você pode fazer a coisa certa! Você pode me deixar ir embora. Você só precisa de ajuda e eu quero te ajudar. Eu sei que é isso que você quer. Eu posso te ajudar!" Os carinhos em sua face voltaram a acontecer. "Apenas me de uma chance de te ajudar. Apenas me de uma...". Ela teria terminado a frase, mas o berro ensurdecedor da moça tomou o local inteiro. Um berro de dor e agonia, pois a monstruosa mão que a alisava, agora havia lhe esmigalhado a mandíbula com um único aperto. A facilidade foi assustadora, a ponto de lembrar uma pessoa esmagando uma bolacha com um aperto. Ela não conseguia mais falar, apenas gritava de dor medo e agonia. Chorava como nenhuma pessoa jamais tinha feito. Ele apenas a observava, em cima de seu corpo, com muita curiosidade.

  A imagem de seus pais e noivo não viam mais a mente. Ela não conseguia lembrar-se de suas feições, por mais que fizesse força para tentar esquecer a dor. A única figura que lhe vinha a mente era o gigante monstro perturbador lhe encarando e observando. Quanto mais ela gritava e chorava, mais curioso ele ficava, como se estivesse conhecendo funções novas de seu novo brinquedo.

 Em sua gigante mão havia uma linda e vermelha maçã. Ora a criatura olhava a fruta, ora a agonia da moça, tudo acompanhado de seus grunhidos cada vez mais altos. A fruta foi colocada com delicadeza na boca desossada da mulher, com gentileza. Ela tentava pronunciar alguns últimos pedidos de clemência, mas a fruta e a falta de movimentação lhe impediam de tal conclusão. 

  Aos poucos o torturador foi enfiando mais a maçã a fundo de sua boca engasgando a moça. Ela se debatia como podia, mas ele não parava de enfiar cada vez mais a fruta traquéia abaixo. O vômito foi inevitável, mas aquilo só piorava a situação lhe sufocando cada vez mais. O corpo se debatia e os olhos se viravam em um ritmo agonizante até.....se cessar. A criatura deu um grunhido acalmada e tirou a mão de dentro da boca do defunto deixando a maçã presa no meio da traquéia. Mais uma vez alisou o rosto, agora dessa vez sem vida, roxa e suja de vômito. Levantou-se e fitou por mais de um minuto em silêncio.

  O caixão foi fechado com uma tampa de vidro pelo monstro que voltou, novamente, a se arrastar e grunhir a cada respiração para fora do quarto, mas desta vez satisfeita de ter terminado seu primeiro serviço. O primeiro de muito.

CONTINUA...



André Bludeni

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