O gosto metálico de sangue estava forte na minha boca quando acordei. Não conseguia abrir os olhos, mexer os braços e as pernas. Minha cabeça parecia estar girando como se eu tivesse tomado o maior porre da minha vida na noite passada.
Apenas a minha respiração forte era o que eu ouvia no quarto completamente escuro e fresco com o vento da madrugada. Tentava controlar a quantidade de ar que inchava meus pulmões, mas sem sucesso.
O nojento gosto metálico não sumia, pelo contrário, parecia que a cada punhado de ar que era socado pela minha narina, mais minha boca amargurava. O sonho da noite começou a voltar na minha mente. Parecia um sonho infantil. Meu corpo não existia, eu vivia no mundo e ele vivia em mim. A lembrança de parar e admirar um prédio foi o que mais me marcou. Observar a vida e cotidiano dos moradores daquele lugar. Luzes acessas, televisões ligadas. Casais conversando, irmãos discutindo, uma velha senhora gorda jantando sozinha, um solteirão dormindo com uma jovem e bela moça.
Mas alí estava. Aquela figura! O homem que no escuro fumava seu cigarro e me olhava, me admirava, me desafiava! Como conseguia me ver? Sabia quem eu era e o que fazia alí? Não sei, mas ele ficava lá, parado, olhando para o alto e tragando seu tabaco. Poderia estar apenas olhando as estrelas, mas eu sentia que a coisa era pessoal. Maldito! Por mais que eu fosse onipotente, eu sentia que havia uma única regra nesse sonho: Não me envolver com os que viviam! Era isso? Eu estava morto no sonho então era eu um fantasma voando mundo afora? Independente do que fosse eu estava em paz, tranquilo, até acordar como uma múmia no meu quarto.
Meus olhos abriram vagarosamente. Ainda não conseguia me mexer, mas aos poucos as imagens do quarto voltaram a ter uma forma concreta. Estava escuro, mas a luz da lua iluminava bem o local. O maldito gosto não saia da boca, mas agora havia algo novo para me preocupar mais.
Meus dedos sentiam o líquido viscoso no lençol. Era quente, chegando até ser gostoso, mas que contaminou meu espaço de descanso inteiro. Eu já sabia que esse sangue todo que molhara a cama vinha de meu corpo, agora precisava descobrir de qual era a fonte, pois a camiseta e calça estavam ensopadas e tingidas de vermelho.
Eu não tinha força, não tinha vontade para me mexer, nada! Pensei em desistir e voltar a dormir ( talvez acordar caso aquilo fosse outro sonho maluco), mas foi quando ouvi o barulho na janela. O barulho de algo queimando.
Meus olhos conseguiram virar levemente para a figura que se encontrava em pé no parapeito me observando. Lá estava o homem que me observava como se assistisse o último luar do mundo de sua sacada. Desta vez ele estava mais próximo, tragando seu cigarro e me observando como uma figura excêntrica. Nem uma palavra foi dita pelos dois, nem um grito, suspiro ou grunhido. Nada! Apenas os olhares.
O cigarro molhado de meu sangue ia para sua boca metodicamente pelas mãos encharcadas. Filho da puta! Apenas me observava. Passou um, dois, tres minutos e nada foi feito a não ser um olhar ao outro. O que se ouvia era o cigarro queimar e as gotas de sangue da mão dele pingar no chão.
"Boa noite, pequeno sonhador..." foi a única coisa que ele falou antes de eu apagar. Foi com uma voz grossa, suave e em um tom até paternal. Meus olhos se fecharam, mesmo eu querendo encará-lo por mais horas. Não queria perder está batalha, mas foi inevitável. A força era mais forte que eu. Poderia jurar que o vi saindo minutos antes de apagar. Poderia jurar que agora ele era o observador do prédio. Poderia jurar que ele era eu.
André Bludeni

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