Os dois homens entraram receosos na obra abandonada. A noite estava quente como todo o mês e sem nenhuma nuvem deixando o prédio deserto com um aspecto macabro.
Ambos subiram no elevador de carga até o ultimo andar sem falarem uma única palavra, mas era evidente que cada um estava reagindo a aquele encontro de jeitos completamente diferentes. O mais velho parecia nervoso, amedrontado. De baixa estatura e uma calvície aparente, vestia um moletom marrom que mal lhe cabia no corpo roliço. Não conseguia ficar quieto e sempre coçava a garganta enquanto alisava o bigode negro e grosso.
O segundo era bem mais jovem. Não tinha chegado ainda aos trinta anos. O cavanhaque era da mesma cor castanho claro que o cabelo preso em um pequeno rabo de cavalo. De olhos azuis e nariz avantajado, ele parecia bem calmo e sossegado. Apenas fazia movimentos bruscos para arruma o colete cor de vinho e dar nó no cadarço da calça boca de sino de veludo na cor cáqui.
Ao chegarem no andar desejado aproximaram-se até o centro da laje. No meio de tantos galões e sacos de areia havia uma criatura agachada.
"Sen...senhor...?"O homem mais velho indagou com mais receio e puxando os fios negros do bigode com mais força.
A criatura se levantou e revelou-se na luz do luar. Era um homem alto e de corpo bem definido. A pele era de um tom branco azulado dando um aspecto de morto ao homem que vestia uma túnica cinza, suja e sem mangas. Os braços, à mostra, longos, sem pêlos e que terminavam numa enorme mão de dedos longos e unhas compridas escuras seguravam uma katana cheia de diamantes. Ao se virar, os cabelos longos, lisos e albinos mostravam um rosto esquelético, cheio de cicatrizes. Algo amedrontador, uma mistura de homem e demônio. Com olhos de cor avermelhados vivos, lábios finos e dentes pontiagudos e tortos.
O que mais assustava era a voz que silvava, fraca e rouca. "Aproximem-se..."
Dessa vez até o homem mais novo gelou a espinha e pensou duas vezes ao chegar mais perto daquela figura tão horrenda.
O homem velho respirou fundo e após dar mais alguns passos, vomitou as palavras. "Senhor Chichiu, nós estamos observando o andamento das moedas faz meses e a garota, Maya, está praticamente com todas! Ela planeja pegar a última peça mais rápido do que imaginávamos e..."
"Silêncio!" Chichiu silvou com sua voz demoníaca, ecoando na laje abandonada e silenciando o homem. "Eu pedi para recuperar as minhas moedas e não observá-las, verme inútil!"
"Eu...eu sei, meu senhor..." O homem abaixou a cabeça morrendo de medo. "Cesare se apresenta com mágica em um bar e disse que tem certeza que Maya contatou um homem para encontrar a última peça para ela. Só precisamos de mais um tempo."
Chichiu virou os olhos para o jovem Cesare e o observou por alguns segundos. "Diga-me Cesare, você acredita em magia?"
O jovem abriu um forçado sorriso "Acredito em mágica, senhor, não em magia. Tudo tem um truque por trás..."
"Entendo..." Chichiu caminhou em passos lentos em direção a Cesare arrastando a ponta da katana no chão de cimento "....então pode me explicar o truque nisto?"
Levantando o braço enquanto caminhava, a mão de Chichiu criou uma aura brilhante púrpura em volta dela. No mesmo momento o corpo do velho homem ficou suspenso no ar. O homem se contorcia de medo, mas ao reparar melhor, Cesare percebeu que na verdade o roliço homem estava se sufocando sozinho. O corpo estremecia, o rosto ficara roxo e com grandes estalos, como com uma força sobrenatural, os membros do pobre coitado tinha os ossos quebrados. Em segundos o corpo sem vida caiu no chão duro, completamente roxo, e com sangue saindo dos orifícios.
Cesare ficou sem reação, espantado, observando o sangue escorrer há menos de dois passos dele. Nem percebeu quando Chichiu chegou próximo a ele, pisando com os pés descalços no líquido quente e vermelho.
"Cesare, você irá conseguir minhas moedas de volta e eu prometo a você mostrar a grande diferença entre magia e mágica. Parece justo a vossa senhoria?"
O jovem apenas concedeu com a cabeça, abrindo mais um leve sorriso e dando passos para trás enquanto brincava com o seu brinco na orelha esquerda.
"Agora vá e me traga notícias melhores do que esse verme gordo." Os movimentos de Chichiu voltaram a ser suaves e calmos enquanto agachava-se, tocava o sangue do defunto e os levava até os finos e rachados lábios.
O jovem mágico apertou o passo até o elevador que pareceu demorar horas para chegar. Sua mão tremia como nunca havia acontecido, mas antes da porta fechar ouviu mais uma pergunta do monstro.
"Meu jovem, qual era o nome do cavalheiro que Maya procurou ajuda?" Aquela dúvida pareceu ter tocado como um sino na mente de Chichiu.
A porta se fechou logo depois da resposta na voz trêmula. "Eu acho que era....Jack Creed...senhor!"
Chichiu olhou a porta do elevador se fechar e o silêncio tomar o lugar. Levantou-se devagar e pulou o defunto gordo deixando um rastro de passos com sangue até a beirada da laje. A ponta da katana era arrastada mais uma vez no cimento. Os olhos vermelhos observavam a lua brilhante e cheia. A língua escura passeou pelo canto da boca seguido de um suspiro.
''O Destino realmente não falha... Jack Creed, o Caçador de Demônios, finalmente voltou a esbarrar no meu caminho...''
Se alguém estivesse no local poderia jurar que Chichiu abriu um leve sorriso maldoso.
André Bludeni
Quer conferir os capítulos passados?
Capítulo 1 - Eleanor Reid
Capítulo 2 - Jack Creed
Capítulo 3 - Aquele-Que-Sabe
Capítulo 4 - Maya

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