quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Destinos Entrelaçados: Capítulo 3 - Aquele-Que-Sabe


  Ele era um homem conhecido pelos quatro cantos, não havia uma esquina, beco ou bordel em que sua figura não fosse facilmente reconhecida. Afinal, com uma aparência daquelas, seria realmente difícil não ser reconhecido. Mas mesmo assim, todos o respeitavam. E não por medo, mas sim por saberem que aquele homem estranho sabia de tudo o que se poderia saber. Ele tinha quase dois metros de altura, mas sua postura curvada o deixava com aproximadamente um metro e oitenta, de forma que olhava por baixo para quase todos os homens com quem convivia. Era extremamente magro, de forma que sua curvatura transparecia a ilusão de que quebraria no meio a qualquer momento. As tatuagens azuis, desbotadas, pareciam não ter significado algum, eram frases que cobriam o corpo todo, os dedos, pescoço e o pouco mais que conseguia se ver fora da roupa preta, extremamente justa e que cobria o magro corpo.Mas o que mais consternava os homens eram suas origens. Ninguém sabia de onde aquela estranha figura havia saído, onde havia nascido, onde havia ganhado aquelas marcas desbotadas, e o próprio não colaborava.   

  Sabe-se lá como ele sabia de tudo, mas ele sabia. Não fazia a menor questão de manter segredos, mas como poderia estar vivo mesmo sabendo dos piores segredos das piores pessoas de seu tempo? Primeiramente, ele nunca se separava do seu ‘fiel escudeiro’, um anão com cara de poucos amigos que todos conheciam como Sem Graça. Mesmo não impondo o respeito que homens corpulentos tinham, a cara de poucos amigos e o fato de não falar uma única palavra amedrontavam os desavisados. Por fim, e mais importante de tudo, aquele homem não falava nenhuma outra palavra além de ‘Sim’, ‘Não’ ou ‘Indiferente’. Era extremamente complicado retirar qualquer informação da dupla, um anão mudo e um homem que só falava três palavras. E era esse que todos chamavam de Aquele-Que-Sabe.


  O estranho homem chegou à cidade em uma madrugada fria, coberta por uma neblina grossa. Ele era conhecido pelos hábitos noturnos, talvez para preservar a pele muito branca, mas era praticamente impossível prever a que horas ele chegaria, e onde ele estaria. Puxou um papel amassado do bolso confirmando o endereço e entrou sorrateiramente naquele acanhado bar. Balançou a cabeça e fitou o chão, cumprimentando uma jovem dama que saía do recinto. Com um rápido passar de olhos pelo recinto, logo achou o seu alvo, sentado ao balcão. Jack Creed, que antes possuía uma cara de extrema satisfação, ao trocar olhares com a esguia figura, instantaneamente mudou sua feição, franzindo as sobrancelhas e corrigindo sua postura à cadeira. Apesar do seu tamanho anormal, o homem cruzou o bar todo como uma navalha e sentou-se ao lado de Jack, o olhando com seus olhos negros, como se o fuzilasse.


  -Aquele-Que-Sabe, mas que honra, aposto que coisa boa você não me traz... – disse virando um último gole de uísque.


  -Indiferente. – retrucou o estranho homem.


  -Bom, lá vamos nós de novo, a que devo o prazer da sua visita?


  -...Indiferente. – respondeu balançando a cabeça, confuso.


  -Desculpe-me, faz tanto tempo que eu não vejo a sua presença que havia me esquecido como é conversar com alguém que só diz três palavras. Onde está aquele seu anão rabugento? Sem Graça é o nome do tipinho, não?


  -Sim. – retrucou rispidamente, claramente perdendo a paciência.
  -Enfim, você precisa de mim pra algum serviço? Sinto muito se for isso, acabei de pegar um que me animou muito! – falou com os olhos brilhando e um sorriso malicioso se desenhando no canto da boca.

  -Não. – respondeu levantando um de seus magros dedos, cheio de riscos desbotados.

  -Você tem alguma informação para mim? Algum recado?

  -Sim. 

  -Algo a ver comigo?

  -Sim.



  -Preciso pagar algo para recebê-lo? Dar algo em troca? – Jack fazia um nítido esforço para montar a conversa em sua cabeça, conversar com aquele homem exigia um esforço descomunal para alguém que havia passado o dia se afogando em uísque.


  -...Não. – respondeu Aquele-Que-Sabe, com uma expressão maldosa se formando em sua cara. 


  A soturna figura puxou uma foto amarelada do bolso interno de seu smoking justo e desgastado, e a colocou na mesa com a imagem virada para baixo. Colocou dois de seus magros dedos em cima da foto e a arrastou até o alcance de Jack. Ele permaneceu olhando nos olhos daquele estranho homem por alguns segundos, tentando entender o motivo daquilo tudo. Desviou os olhos para a foto e viu, escrito a mão, já com a tinta rachada os dizeres ‘Creed / Reid’, e por um segundo, seu coração pulou uma batida. 

  Rapidamente virou a foto e levou-a a altura dos olhos. Ele não se lembrava quando havia visto pela última vez uma foto de seu pai. Ele lembrava pouco do pai, mas não conseguia esquecer seu rosto. A barba por fazer, os longos cabelos loiros, o mesmo sorriso malicioso que por tantas vezes ele portou. Parecer o seu próprio pai, em muitos momentos, era uma maldição, uma lembrança eterna cravada em seu corpo. Ao seu lado, a foto de um homem robusto, com um grande bigode, cabelos penteados para trás. Os dois portavam rifles, e seu pai estava com um dos braços no ombro do outro homem, o abraçando. Pareciam amigos. Apesar de ambos aparentarem ser homens brutos, rústicos, havia ali uma clara amizade. O sangue de Jack ferveu e ele agarrou Aquele-Que-Sabe pelo pescoço, derrubando os bancos e quebrando copos no balcão, algo que trouxe um súbito momento de vida ao empoeirado e escuro bar.


  -Onde você conseguiu isso seu merda?! Me fala logo, vai! – a forte mão de Jack dava uma volta quase completa no pescoço do magro infeliz, de modo que ele conseguia sentir suas vértebras se espremendo, em agonia.


  -In...di...ferente... – sussurrava o pobre coitado, com pouquíssimo ar para conseguir dizer qualquer coisa.


  -Fala logo! – urrava Jack, agora apertando com as duas mãos.


  -In...di... – falou num tom quase inaudível o homem sem nome, agora as veias em seu rosto saltavam, e um tom avermelhado de pele tomava conta de seu rosto. Apesar de tudo, ele sorria, sempre olhando profundamente nos olhos de Jack.


  Ouviu-se um alto estalo, e Jack imediatamente largou o quase morto de suas mãos, que caiu violentamente no chão, tossindo sangue. Jack olhou para a porta e viu o anão Sem Graça, com um revólver apontado diretamente para ele, engatilhado e pronto para ser disparado. Olhou para seu braço e viu que havia levado um tiro de raspão. O disparo de alerta havia funcionado, e ele não mais pretendia tirar mais alguma resposta do pálido homem que agora já estava levantado, novamente olhando para ele, maliciosamente. Aquele-Que-Sabe pegou a foto do balcão, e entregou-a para Jack novamente. Aguardou alguns segundos e disse:


  -Indiferente. 


  Aquilo havia começado a se tornar interessante.




Guilherme Gale


Quer conferir os primeiros capítulos da série?

Capítulo 1 - Eleanor Reid

Capítulo 2 - Jack Creed

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