Ele era um homem conhecido
pelos quatro cantos, não havia uma esquina, beco ou bordel em que sua figura
não fosse facilmente reconhecida. Afinal, com uma aparência daquelas, seria
realmente difícil não ser reconhecido. Mas mesmo assim, todos o respeitavam. E
não por medo, mas sim por saberem que aquele homem estranho sabia de tudo o que
se poderia saber. Ele tinha quase dois metros de altura, mas sua postura
curvada o deixava com aproximadamente um metro e oitenta, de forma que olhava
por baixo para quase todos os homens com quem convivia. Era extremamente magro,
de forma que sua curvatura transparecia a ilusão de que quebraria no meio a
qualquer momento. As tatuagens azuis, desbotadas, pareciam não ter significado
algum, eram frases que cobriam o corpo todo, os dedos, pescoço e o pouco mais
que conseguia se ver fora da roupa preta, extremamente justa e que cobria o
magro corpo.Mas o que mais consternava os homens eram suas origens. Ninguém
sabia de onde aquela estranha figura havia saído, onde havia nascido, onde
havia ganhado aquelas marcas desbotadas, e o próprio não colaborava.
Sabe-se lá
como ele sabia de tudo, mas ele sabia. Não fazia a menor questão de manter
segredos, mas como poderia estar vivo mesmo sabendo dos piores segredos das
piores pessoas de seu tempo? Primeiramente, ele nunca se separava do seu ‘fiel
escudeiro’, um anão com cara de poucos amigos que todos conheciam como Sem
Graça. Mesmo não impondo o respeito que homens corpulentos tinham, a cara de
poucos amigos e o fato de não falar uma única palavra amedrontavam os
desavisados. Por fim, e mais importante de tudo, aquele homem não falava
nenhuma outra palavra além de ‘Sim’, ‘Não’ ou ‘Indiferente’. Era extremamente
complicado retirar qualquer informação da dupla, um anão mudo e um homem que só
falava três palavras. E era esse que todos chamavam de Aquele-Que-Sabe.
O estranho homem chegou à cidade em uma
madrugada fria, coberta por uma neblina grossa. Ele era conhecido pelos hábitos
noturnos, talvez para preservar a pele muito branca, mas era praticamente
impossível prever a que horas ele chegaria, e onde ele estaria. Puxou um papel
amassado do bolso confirmando o endereço e entrou sorrateiramente naquele
acanhado bar. Balançou a cabeça e fitou o chão, cumprimentando uma jovem dama
que saía do recinto. Com um rápido passar de olhos pelo recinto, logo achou o
seu alvo, sentado ao balcão. Jack Creed, que antes possuía uma cara de extrema
satisfação, ao trocar olhares com a esguia figura, instantaneamente mudou sua
feição, franzindo as sobrancelhas e corrigindo sua postura à cadeira. Apesar do
seu tamanho anormal, o homem cruzou o bar todo como uma navalha e sentou-se ao
lado de Jack, o olhando com seus olhos negros, como se o fuzilasse.
-Aquele-Que-Sabe, mas que honra, aposto que
coisa boa você não me traz... – disse virando um último gole de uísque.
-Indiferente. – retrucou o estranho homem.
-Bom, lá vamos nós de novo, a que devo o
prazer da sua visita?
-...Indiferente. – respondeu balançando a
cabeça, confuso.
-Desculpe-me, faz tanto tempo que eu não vejo
a sua presença que havia me esquecido como é conversar com alguém que só diz
três palavras. Onde está aquele seu anão rabugento? Sem Graça é o nome do
tipinho, não?
-Sim. – retrucou rispidamente, claramente
perdendo a paciência.
-Enfim, você precisa de mim pra algum serviço?
Sinto muito se for isso, acabei de pegar um que me animou muito! – falou com os
olhos brilhando e um sorriso malicioso se desenhando no canto da boca.
-Não. – respondeu levantando um de seus magros
dedos, cheio de riscos desbotados.
-Você tem alguma informação para mim? Algum
recado?
-Sim.
-Algo a ver comigo?
-Sim.
-Preciso pagar algo para recebê-lo? Dar algo
em troca? – Jack fazia um nítido esforço para montar a conversa em sua cabeça,
conversar com aquele homem exigia um esforço descomunal para alguém que havia
passado o dia se afogando em uísque.
-...Não. – respondeu Aquele-Que-Sabe, com uma
expressão maldosa se formando em sua cara.
A soturna figura puxou uma foto amarelada do
bolso interno de seu smoking justo e desgastado, e a colocou na mesa com a
imagem virada para baixo. Colocou dois de seus magros dedos em cima da foto e a
arrastou até o alcance de Jack. Ele permaneceu olhando nos olhos daquele
estranho homem por alguns segundos, tentando entender o motivo daquilo tudo.
Desviou os olhos para a foto e viu, escrito a mão, já com a tinta rachada os
dizeres ‘Creed / Reid’, e por um segundo, seu coração pulou uma batida.
Rapidamente virou a foto e levou-a a altura dos olhos. Ele não se lembrava
quando havia visto pela última vez uma foto de seu pai. Ele lembrava pouco do
pai, mas não conseguia esquecer seu rosto. A barba por fazer, os longos cabelos
loiros, o mesmo sorriso malicioso que por tantas vezes ele portou. Parecer o
seu próprio pai, em muitos momentos, era uma maldição, uma lembrança eterna
cravada em seu corpo. Ao seu lado, a foto de um homem robusto, com um grande
bigode, cabelos penteados para trás. Os dois portavam rifles, e seu pai estava
com um dos braços no ombro do outro homem, o abraçando. Pareciam amigos. Apesar
de ambos aparentarem ser homens brutos, rústicos, havia ali uma clara amizade.
O sangue de Jack ferveu e ele agarrou Aquele-Que-Sabe pelo pescoço, derrubando
os bancos e quebrando copos no balcão, algo que trouxe um súbito momento de
vida ao empoeirado e escuro bar.
-Onde você conseguiu isso seu merda?! Me fala
logo, vai! – a forte mão de Jack dava uma volta quase completa no pescoço do
magro infeliz, de modo que ele conseguia sentir suas vértebras se espremendo,
em agonia.
-In...di...ferente... – sussurrava o pobre
coitado, com pouquíssimo ar para conseguir dizer qualquer coisa.
-Fala logo! – urrava Jack, agora apertando com
as duas mãos.
-In...di... – falou num tom quase inaudível o
homem sem nome, agora as veias em seu rosto saltavam, e um tom avermelhado de
pele tomava conta de seu rosto. Apesar de tudo, ele sorria, sempre olhando
profundamente nos olhos de Jack.
Ouviu-se um alto estalo, e Jack imediatamente
largou o quase morto de suas mãos, que caiu violentamente no chão, tossindo
sangue. Jack olhou para a porta e viu o anão Sem Graça, com um revólver
apontado diretamente para ele, engatilhado e pronto para ser disparado. Olhou
para seu braço e viu que havia levado um tiro de raspão. O disparo de alerta
havia funcionado, e ele não mais pretendia tirar mais alguma resposta do pálido
homem que agora já estava levantado, novamente olhando para ele,
maliciosamente. Aquele-Que-Sabe pegou a foto do balcão, e entregou-a para Jack
novamente. Aguardou alguns segundos e disse:
-Indiferente.
Aquilo havia começado a se tornar
interessante.
Guilherme Gale
Quer conferir os primeiros capítulos da série?
Capítulo 1 - Eleanor Reid
Capítulo 2 - Jack Creed
Quer conferir os primeiros capítulos da série?
Capítulo 1 - Eleanor Reid
Capítulo 2 - Jack Creed

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