terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Destinos Entrelaçados: Capítulo 1 - Eleanor Reid

  Não cabia mais rabiscos no caderninho de notas. O plano era tão simples na sua cabeça, mas na hora de colocar no papel sempre ele se transformava em uma coisa absurda sem pé nem cabeça.

 Quem sabe se ela fosse através dos esgotos e atravessasse a cidade pelos canos maiores e....rabiscos, rabiscos e mais rabiscos para se apagar essa idéia absurda. Ela já não aguentava mais ficar sentada naquela cadeira  de madeira velha com os pés tortos. Suas costas doíam da postura encurvada que ficou durante horas escrevendo e elaborando um plano que nem ao menos chegou a ter um início. A mão tremia de raiva e cansaço. Os olhos lacrimejam e mal enxergavam mais qualquer coisa sem embaçar pelo menos os cantos da sua visão periférica.

  Ela levantou-se e arrumou o cabelo para trás enquanto estalava as costas. Era esguia, não musculosa, e tinha curvas que gostava de mostrar. Isso era evidente com a blusa verde musgo, sem mangas, que vestia. A barriga ficava de fora e o quadril largo  vestia uma calça marrom tática e coturnos que eram maiores que seus pés. A pele era dourada, mas mesmo cheia de cicatrizes chamavam a atenção de qualquer homem. Não era para menos, ela era alta como uma amazona.

  Prendeu o cabelo castanho-avermelhado em um rabo de cavalo com a fita de couro que a acompanhava em anos. Respirou fundo, coçou os olhos e foi até o espelho à alguns passos da escrivaninha toda bagunçada que passou horas da madrugada. A moça ficou se fitando durante uns trinta segundos seriamente sem piscar. O olhar era sério e profundo, revezando-se entre o olho verde e o azul escuro quase preto. As vezes o olhar desviava-se para a cicatriz do lado direito que ia da sobrancelha até a têmpora. Era comprida, feia e bem avermelhada. Como doía olhar aquilo. A lembrança lhe criava um ódio mortal e a fazia ranger os dentes querendo vingança.

  "Controle-se Eleanor Reid, Controle-se! Eles não te conhecem, eu me conheço! Você é melhor do que isso. Não vai ser qualquer cara que vai te derrubar." Respirou fundo novamente e virou um copo de bourbon velho em um gole só que devia estar na estante há dias. Pronto! Aquilo lhe fez dar uma acalmada. Não pela bebida em si, mas por saber que que naquilo ela era boa. Pelo orgulho, já que Eleanor bebia como ninguém sem balançar um milímetro com a fraqueza do álcool. Ganhava desafios de vira-vira em seu tempo livre que com o dinheiro apostado dava para viver bem o mês todo.

  Respirou fundo e fitou o local. Precisava de um banho, mas tinha coisas mais importantes para fazer. Puxou seu facão e foi cutucar a lareira da pequena quitinete para ver se o que restava da brasa fazia um pouco de calor para esquentar a madrugada fria. "Eu prometo que isso não vai ficar assim papai! Fui fraca, eu sei, mas não vai se repetir. Posso ser enganada uma vez. A segunda é impossível.". 

  A foto no porta-retrato do velho falecido caçador Reid era iluminada com o fogo. Foi com ele que Eleanor aprendeu todas as técnicas de caça de animais grandes na longínqua Austrália, mas ela não se lembrava direito como trocou os animais por foragidos da lei.
  "Você lembra como eu peguei aquele tailandês que se auto-denominava terrorista, papai?" Ela ria sozinha em uma gargalhada exagerada. "Gjyang, O Tigre. Que nome mais babaca! Se fosse um tigre mesmo não iria cair tão facilmente na técnica de cela tripla que o senhor usava para pegar pequenos wallabies."

  Elanor se sentou na poltrona velha e empoeirada de tecido vermelho com uma xícara de chocolate quente. Ficou olhando a lareira e abriu um leve sorriso. Fazia tempo que não demonstrava nenhum sentimento de calma ou alegria como esse, mas falar com seu pai a acalmava e a fazia se sentir uma criança novamente. A bebida lhe esquentava a ponta do nariz e lhe dava um comichão na cicatriz da têmpora, mas cada gole era uma visita a sua infância e as tardes frias que ficava montando quebra-cabeças na sala de casa esperando seu pai retornar com alguma caça.

  "Eu prometo pegar ele papai. Não vou deixar que me humilhem desse jeito. Sou uma Reid e vou mostrar do que nossa família é capaz." Seus olhos fixavam na lareira que agora ardia como nova. Estava revigorada. Tanto o a brasa quanto sua vontade de voltar a caçá-lo. O fogo estalava no mesmo ritmo que Eleanor forçava a mandíbula. Era brilhante, alta e a fumaça subia rapidamente.....a fumaça....a fumaça! Era isso!

  Em um salto Eleanor saiu da poltrona e correu para a escrivaninha para pegar o caderno de notas. Era isso! Como ela não pensou nisso antes. Era o plano mais óbvio. Ela usava essa técnica básica com coelhos! Fumaça! Isso ia fazer ele se assustar e se afugentar para onde ela quisesse. E quando ele estivesse desprevenido ela avançava e.....PLOW!
  Com uma enorme risada Eleanor pode respirar aliviada por conseguir achar um plano. O sol já mostrava sinais de nascer e o sono já fazia os olhos da moça pesar. Estava cansada, mas sorria. Sorria por dentro e mais ainda por fora.

  "Obrigado pela ajuda papai. Isso vai dar certo! Prometo me vingar e mostrar quem são os Reid...". O olhar da moça voltou-se para a parte escura do local. Na parede pelada e descascada, apenas um anúncio de "PROCURADO" com a foto de um homem. "Eu prometo papai. Prometo acabar com isso. Prometo matar Jack Creed!". Ao pronunciar o nome da caça, o nome do alvo, Eleanor Reid lançou seu facão no anúncio acertando a foto do homem bem na têmpora direita. No mesmo local que Jack Creed lhe marcou deixando a cicatriz mais dolorida que Eleanor Reid um dia sentirá.


André Bludeni
  

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